Naquele dia o
calor abafava até os pulmões mais fortes. O ar estava denso e havia um tom
amarelado no ar que dificultava a visão. Não era um bom dia para os sentidos.
Caminhou sem
grande pressa até à praça central. O burburinho era tal que se tornava
irritante. Ainda tinha tempo. Coçava-se de tanto nervoso miúdo. Duas e trinta e
quatro, que horas seriam em Portugal? Não lhe apetecia fazer contas, tinha o
cérebro melado.
Levava o
envelope na mão. Já não estava muito direito, mas iria ainda passar por uma
valente quantidade de mãos até chegar ao destino. Se tiver a sorte de chegar.
Ficava com angústia só de pensar que poderia perder-se, extraviar-se,
desencaminhar-se. Era muito importante que chegasse. Era mesmo muito
importante. A sua chegada significava a diferença entre a esperança e o
desespero, entre a vida e a morte, entre acreditar só mais um pouco ou
desistir.
Ainda não era
altura. A carrinha não tinha chegado. Será que aquelas palavras iriam adiantar
alguma coisa? Se calhar era pretensão.
Chegou. Entregou
a carta discretamente. Virou costas e seguiu. Tinha a certeza agora que valia a
pena. Era um segredo e não há nada mais excitante no mundo do que um segredo
partilhado silenciosamente entre um exíguo número de pessoas.